Diretor fala do homoerotismo voyeur de Inocentes

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Douglas Soares está na mostra competitiva do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com o curta-metragem Inocentes. O cineasta, na entrevista a seguir, comenta sobre as inspirações e mais detalhes sobre seu filme:

Como você conheceu o trabalho de Alair Gomes?

Eu conheci parte da obra do Alair Gomes em 2010, através do catálogo de uma exposição realizada pelo curador Alexandre Santos, em Porto Alegre. Inspirado em um curta-metragem chamado Sal Grosso, dos realizadores André Amparo e Ana Cristina Murta, eu buscava um argumento que me permitisse trabalhar a ressignificação da imagem através de um artifício externo a ela, como o som trans narrativo utilizado neste curta, por exemplo. Quando vi as imagens de Alair Gomes pela primeira vez, percebi que elas também continham essa narrativa. Dois desconhecidos homens na praia, malhando, poderiam se transformar em dois amantes apenas pelo enquadramento deste fotógrafo, ou através da seleção de quais imagens ajudariam a contar uma história que ia de encontro com seus desejos pessoais. Alair Gomes era um voyeur nato, precursor de uma obra homoerótica brasileira, e eu me identificava muito com esse desejo, esse tesão, que parte do olhar. Em seguida, passei a pesquisar sua obra, os textos que escreveu enquanto crítico de arte, os diários íntimos, e fui elaborando um roteiro ensaístico que abarcasse uma trajetória fotográfica, mas que tratasse também do personagem voyeur para além da figura do Alair. O voyeur no mundo. Assim, aquele espectador que não estivesse familiarizado com suas imagens também extrairia algo do filme. Dessa forma nasceu Inocentes, que tem esse título inspirado no poema Inocentes do Leblon, de Carlos Drummond de Andrade, outra referência para criar as imagens.

Você procurou recriar o clima carioca dos anos 70? Como?  Alair Gomes descobre a fotografia em meados da década de 1960, mas é no finalzinho, até a década de 1980, que ocorre o seu boom criativo. É nessa época que nasceram as Sonatinas, a série The Course of The Sun e Sinfonia de Ícones Eróticos, sua série mais explícita e obsessiva, contendo mais de 1700 fotografias catalogadas em uma ordem expositiva única. O padrão de beleza naquela época era bem diferente dos dias de hoje, com seus corpos mais volumosos e seus poucos pelos. Pra manter essa dicotomia da beleza masculina, o ideal que Alair buscava em sua obra, eu fazia questão que a imagem do filme fosse atemporal. Tinha que resgatar estes corpos magros e definidos, mas sem esconder as escolhas de hoje, a tecnologia presente. Eu queria recriar uma bolha temporal na frente da janela, de onde o voyeur observava a praia, sem a preocupação de ser um filme de época. Mais do que recriar um Rio de Janeiro setentista, eu precisava recriar a atmosfera do Alair, seu olhar tão urgente. Não é a toa sua obra vem passando por um resgate, nos dias de hoje.

Não é a primeira vez que você e Allan Ribeiro, que também é da Acalante Filmes, participam do Festival de Brasília. Para você, como é entrar na Mostra Competitiva no ano que o evento comemora meio século de existência?

Eu e Allan Ribeiro participamos do Festival de Brasília desde o ano de 2006, quando O Brilho dos Meus Olhos, um filme realizado por ele na UFF, foi selecionado pra competitiva de curtas em 35mm. Em 2008, meu primeiro curta como diretor (Minha Tia, Meu Primo) também foi selecionado para a extinta Mostra 16mm. Desde então, exibimos o longa Esse Amor Que Nos Consome (2012) e Contos da Maré, vencedor do prêmio de Melhor Curta Documentário, em 2013 – quando o festival optou por manter a separação dos gêneros em competição. É uma participação muito recente dentro da história do festival, mas fomos testemunhas de mudanças profundas, provando que o Festival de Brasília está sempre em constante movimento, propondo caminhos que podemos ou não concordar, mas que mostram a importância deste que é um dos mais relevantes eventos cinematográficos que temos. Acredito que todos os filmes selecionados pra esta edição estão honrados por fazer parte desta comemoração de 50 anos.

Qual o papel do cinema em tempos de extremismos e homofobia?  Sendo honesto, eu ainda não sei qual poder o cinema tem em relação a estas questões. Há uma vontade de falar sobre, e espero que mais filmes surjam com a intenção, mesmo secundária, de conscientizar para a nossa diversidade sexual. Eu acho importante que o espectador passe pela experiência de descobrir que existem personagens vivendo uma vida diferente da sua, com condições diversas. Que sejam filmes plurais no retrato, que haja espaço pra diversidades temáticas e de linguagem. Que fale com o gay da periferia, com o gay adolescente, com o gay da terceira idade, com o gay negro e com a mulher gay. Os resultados só saberemos a longo prazo. Por enquanto, existem os filmes e isso já é muito potente.   


Como é Xale, seu primeiro longa-metragem? Xale é um filme que realizei de 2014 a 2015, de forma independente, e que teve estreia no Festival do Rio, em 2016. É o meu primeiro longa-metragem, que dá continuidade ao material familiar e pessoal que utilizei nos filmes anteriores. Narra a minha relação com a minha avó, uma senhora de 89 anos que está passando por um processo de perda de memória recente. Enquanto isso, um misterioso passado armênio ressurge para o neto. Uma terra distante, de seus ascendentes, que o neto busca conhecer e trazer de volta para a avó. É um filme bastante ficcional na sua busca por recriar o “real”. Gosto muito dessa mistura do filme pessoal com a ficção, me dá uma liberdade absurda pra reencenar as coisas que vejo e sinto em filme, não importando muito em que gênero ele vai resultar.  

*Por Michel Toronaga – micheltoronaga@cine61.com.br

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