Entrevista: A Fabriqueta De Sonhos de Tiago Ribeiro

Dentro da programação do  4º Cine Jardim – Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em Pernambuco, está a Mostra Passarinho, voltada para o público infanto-juvenil. Um dos destaques exibidos foi o curta-metragem A Formidável Fabriqueta De Sonhos Menina Betina, de Tiago Ribeiro. O Cine61 – Cinema Fora do Comum conversou com o diretor para falar sobre sua obra. Sinopse: Quando nasce uma criança, inaugura-se uma fábrica de sonhos que tende a fracassar com o tempo. Betina está disposta a sempre buscar novos combustíveis para manter seu alto nível de produção.
De onde veio a inspiração para o roteiro de A Formidável Fabriqueta…?
Curiosamente veio do nome, do conceito. Eu estava falando com alguém pela internet e disse algo sobre uma “fábrica de sonhos”. Tinha algum significado naquele contexto mas que não me recordo. Estava de saída para a faculdade e, no caminho, comecei a matutar sobre isso: afinal o que seria uma fábrica de sonhos? E a resposta veio quase que instantaneamente na minha cabeça: “crianças!”. Todos nós fomos Fábricas de Sonhos. Os melhores de nós ainda são. Nos 20 minutos de caminhada a ideia se formou na minha cabeça. Eu tinha o trabalho final de Roteiro II pra entregar dali dois dias. Escrevi naquela mesma noite e enviei. Recebi o retorno da Cíntia Langie, uma das professoras que mais admiro dizendo que era “uma história emocionante e muito bem contada”. Mostrei pra outros dois colegas e eles amaram. Foi aí que eu vi que ali tinha algo que podia dar certo.

O Brasil recentemente tem se destacado com suas animações. Como você vê o mercado das animações por aqui?
Pois é, muito se fala do “fermento da animação brasileira” e não se chega a conclusão nenhuma. De fato a gente é um povo criativo, é só ver os memes. Aí junta a lei da TV paga, bons editais e profissionais com muita vontade de fazer coisa com a nossa cara e dá nisso. Nossas culturas são muitas e é legal ver isso aparecendo na TV, um caso interessante é o Irmão do Jorel, que é um grande sucesso aqui e nos vizinhos latinos. Atualmente, por exemplo, estou trabalhando em Belém do Pará em duas séries diferentes: uma com índias guerreiras estagiárias dos deuses como protagonistas e outra sobre crianças que viajam em busca de brincadeiras no interior do país, sendo essa primeira temporada a Expedição Amazônia. Estou aqui aprendendo que sei muito pouco sobre o meu Brasil e que talvez muito disso seja por ele não ter sido apresentado a mim pela mídia convencional, afinal, há 20 anos atrás a gente só via desenho americano na TV. Por outro lado, a gente empaca quando o assunto é animação brasileira no cinema. Tem se produzido uma quantidade razoável de longas-metragens mas que não fazem grande número de bilheteria. O Menino e o Mundo por exemplo, aquela obra-prima do Alê Abreu só chegou ao conhecimento de grande parte do público na época do Oscar, dois anos depois de ter sido lançado nos cinemas brasileiros. Nessa primeira estreia, quando fui assistir, o atendente da bilheteria chegou a me dizer “você sabe que esse filme é uma animação brasileira né!?” e não foi no bom sentido. Acho que o mais importante a essa altura do campeonato é formação de público e de profissionais. De um lado vejo muitos colegas que almejam a oportunidade de ir trabalhar fora do país porque aqui não tem tanto mercado e um público que ainda tem preconceito com o que é feito aqui. Essa equação não fecha. O que eu sempre falo pra essas pessoas é “aqui não tem mercado? Vamos criar. Mas é preciso saber que essas coisas não acontecem de um dia para o outro e não é indo para outro país que vamos conseguir fazer isso”.

Seu curta é o trabalho de conclusão do curso de Cinema de Animação da Universidade Federal de Pelotas, não é? Como está sendo ser selecionado por vários festivais de cinema?
É meio assustador na verdade. Eu sofro da famosa síndrome do impostor. Muitos professores na época do desenvolvimento do curta já apostavam muitas cartas nele, mas para mim era meio fora de cogitação. Eu queria fazer um bom trabalho porque realmente não me interessa fazer coisas que eu não me orgulhe, entretanto não imaginava que seria assim. Meus colegas de trabalho acreditavam mais. Todos ficamos muito felizes quando fomos selecionados para o primeiro festival, mas para eles não foi muita surpresa. Eu fiquei incrédulo. Enfim, grandes expectativas, maior ainda o medo e toda vez que eu vejo o filme junto com plateia é como se fosse a primeira vez. É surreal nosso filminho de TCC já ter entrado em 15 festivais e ganhado 7 prêmios. Toda vez que eu falo isso eu fico meio chocado real. O que eu posso concluir é que valeram a pena os quase 3 anos dedicados à Menina Betina.

Com o avanço da tecnologia, as animações 3D ganharam muito espaço. Para você, como é trabalhar com a animação 2D ?
Olha, eu era bem mais temeroso a isso antes. Eu achava que a animação 2D estava perdendo espaço para o 3D, mas não está não. O cinema de animação blockbuster é na sua maioria 3D, não dá para negar, mas a esmagadora maioria das séries e grandes filmes de arte são 2D, econômica ou não. Na época da Betina mesmo, a gente resolveu cometer a insanidade de fazer de uma forma bem tradicional, no papel, grafite e mesa de luz  porque essa poderia ser nossa única oportunidade de trabalhar desse jeito, mas vi ontem mesmo que o Marcelo Marão, grande nome da animação brasileira está fazendo um longa metragem no papel. A Rosana Urbes, uma gênia, faz seus filmes de uma forma quase artesanal também. Trabalhar com 2D para mim é muito mais divertido e stopmotion tbm. É tangível, sabe? Pegar os cenários do filme pintados a mão, os quase 4 mil desenhos em papel A4, fora que me parece muito mais próximo do espectador. Uma criança que vê O Menino e o Mundo reconhece ali o desenho, a técnica que ela faz em casa; quando ela vê Frozen isso não acontece, é distante dela. Pra mim, o 2D inspira mais e  inclusive é mais bonito. Quer dizer, animação é uma área grande demais e com possibilidades praticamente infinitas. Achar que uma técnica pode escantear a outra é um pensamento atrasado (como o meu há 5 anos atrás). E no mais tudo é cíclico né? As pessoas hoje em dia ouvem vinil, tiram fotos analógicas e usam pochete…



Quais são suas inspirações quando o assunto é animação?
Ah, eu sou Disneymaníaco e não dá pra negar. Branca de Neve e os Sete Anões é um filme de 1937 e é uma das coisas mais lindas que já foram feitas até hoje! Acho que eles têm isso de inspirar as pessoas e isso para mim é o que define algo que é genial. Aqui no Brasil eu sou louco pelo Alê Abreu, pela Rosana Urbes, pela Rosária e pelo Wesley Rodrigues. Fazem trabalho de autor de uma forma sublime. Quero ser que nem eles quando eu crescer. Assisto a muitas séries também, Irmão do Jorel, Incrível Mundo de Gumball e As Meninas Superpoderosas são minhas preferidas, mas vira e mexe eu tô assistindo séries dos anos 90 no YouTube, tipo Doug, As Trigêmeas, O Fantástico Mundo de Bobby, Cãezinhos do Canil etc, porque essas eu consigo desligar o olho de animador que fica procurando falhas de rigg, reparando enquadramentos, referências, poses, expressões, etc, etc, etc e apenas contemplar…

*Por Michel Toronaga – micheltoronaga@cine61.com.br

O jornalista viajou a convite da organização do Cine Jardim

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